
Entretanto, a arrancada na liderança da Premier League dá aos Blues o direito de conciliar objetivos. À exceção do que aconteceu nas duas derrotas da temporada, diante de Wigan e Aston Villa, a imagem que se faz do Chelsea é a da solidez. O time é seguro, experiente, marca muito forte e ataca em bloco. Mesmo assim, o conjunto de Ancelotti rechaça uma tradição técnica do futebol inglês. Não me refiro ao 4-4-2 ortodoxo, já abandonado por várias equipes, mas ao intenso jogo pelas laterais.
O treinador italiano arma o time com o "losango" no meio-de-campo. Michael Essien é o homem à frente da defesa, Ballack sai levemente pela direita, Lampard, pela esquerda, e Deco tem sido o responsável pela ligação imediata ao ataque. Com essa formação, não há quem atue pelos flancos de modo permanente. Na vitória diante do Liverpool, por exemplo, o Chelsea teve apenas um jogador com vocação para ocupar uma lateral: Ashley Cole. O sérvio Ivanovic, zagueiro por excelência, compôs o lado direito da defesa na ocasião.
Mais curioso é saber que o italiano não faz isso por conta da escassez de jogadores. Ele tem à disposição vários atletas com forte tendência a cair pelas pontas. Malouda, Kalou, Joe Cole e Zirkhov podem fazê-lo perfeitamente, mas são por vezes preteridos. Malouda, aliás, até joga com alguma frequência, embora adira ao losango de Ancelotti. O esquema tem feito sucesso e, até onde sei, não é constestado de forma veemente pelas cornetas britânicas

Falo isso porque lembro de treinadores culturalmente avessos aos wingers que foram muito criticados em países com essa tradição (de utilizar wingers) na Europa. Conhecemos com propriedade pelo menos dois exemplos. Vanderlei Luxemburgo cansou de sofrer pitos de jornais espanhóis por ignorar os extremos em seus tempos de Real Madrid. Assim como Felipão, durante o pouco tempo em que trabalhou em Stamford Bridge. Ancelotti, por sua vez, pôde impor ao Chelsea um sistema "italiano" com alguma tranquilidade. A formação da moda na Bota é semelhante à atual dos Blues. No 4-3-1-2 jogam a Juventus e a Internazionale, com o Milan a ensaiar o esquema.
Por que Ancelotti não foi linchado numa praça pública de Londres? Porque as pessoas confiam nele. Ninguém apostava todas as suas fichas em Luxemburgo e Scolari, vencedores, mas sem história prévia no futebol europeu de clubes. No Brasil, o treinador italiano tem fama de "retranqueiro". Mas, por lá, ele está acima de preconceitos ou suspeitas sem justificativas objetivas, ou seja, baseadas em resultados.
O esquema do Chelsea se sustenta, entre outros fatores, por conta do trabalho da dupla de ataque. Drogba e Anelka (aliás, desconsiderem o número atribuído ao francês no plano tático) se movimentam muito. A harmonia mútua e as inserções laterais lembram, em algum nível, a combinação entre Andy Cole e Dwight Yorke, de temporadas atrás no Manchester United.
Com dois avantes competentes e que sabem trabalhar a bola, um meio-de-campo forte e criativo e uma defesa sólida, talvez não haja mesmo necessidade de se preocupar em escalar wingers. Graças à tranquilidade que Ancelotti teve para efetivar suas convicções. Seu currículo em Reggiana, Parma, Juventus e Milan serve para isso.
Foto: British Blogs