28 de outubro de 2010

A hora pode ter chegado

Através da Carling Cup, o Arsenal de Wenger começa a acreditar na possibilidade de acabar com a seca de títulos. Porém, para que isso aconteça, o francês talvez tenha de fazer algumas alterações

Já faz muito tempo que o Arsenal não conquista um título, mais precisamente desde a temporada 2004/05, quando os Gunners derrotaram o Manchester United nos pênaltis para ficar com a Copa da Inglaterra. Desde então, dois vice-campeonatos - um da Liga dos Campeões, outro da Copa da Liga - foram o máximo que os londrinos conseguiram.

Porém, pode-se dizer que o Arsenal está perto de acabar com tal jejum. Com a vitória fora de casa em cima do Newcastle, o clube conseguiu vaga nas quartas-de-final da Carling Cup, aqui conhecida como a já citada Copa da Liga. E o caminho para a final não parece tão complicado.

A maioria dos times que podem aparecer no caminho dos Gunners não parece ter condições de derrotá-los: Ipswich, Wigan, West Ham e Birmingham deverão trazer problemas apenas se tiverem a sorte de pegar o Arsenal dentro de seus domínios. Possíveis confrontos contra o West Brom e Aston Villa poderão ser difíceis pelo bom momento do primeiro e o bom elenco do segundo, mas ainda assim a equipe de Wenger seria considerada a favorita, a menos que seu time não atue no Emirates Stadium. Sendo assim, o único duelo que o Arsenal deve realmente temer é um possível e prematuro encontro contra o Manchester United - que seria uma final de campeonato antecipada.

Porém, mesmo que o adversário na próxima fase sejam os Red Devils, o Arsenal teria grandes chances de passar de fase. Isso porque é claro que Alex Ferguson não prioriza a Carling Cup, preferindo testar seus jovens talentos, dar chances aos seus reservas e descansar seus principais atletas para jogos que considera mais importantes. Ou seja: uma equipe mais enfraquecida do outro lado daria ainda mais chances aos Gunners de passarem de pase.

O problema é que Wenger também costuma dar chances aos jogadores que geralmente não atuam como titulares, colocando equipes mistas em campo nesta competição. E isso pode ser prejudicial, principalmente se o Arsenal tiver que realmente encarar o Manchester United ou atuar fora de casa, quando os jogos obviamente costumam ser mais duros. Até agora, tal filosofia deu certo contra Tottenham e Newcastle, mas não é bom abusar da tendência.

Wenger fez o mesmo na Copa da Liga da temporada 2006/07, enfrentando o Chelsea na final com a mesma equipe mista que chegou até fase, e acabou perdendo a partida numa frustrante virada. Mais do que nunca, o Arsenal precisa de títulos, mesmo que seja o menos badalado da Inglaterra. Para conseguir isso, nunca é demais contar com a grande maioria de suas estrelas e titulares que podem decidir jogos, mesmo que o contrário venha dando certo até agora.

Imagem: Daily Mail

24 de outubro de 2010

A fracassada ousadia de Grant

Grant pode se juntar a Zola na lista de Hammers visionários - e desempregados

Carlo Ancelotti pode escalar Anelka, Drogba e Sturridge. Sim, é perfeitamente possível. Mesmo assim, há ressalvas. Ele precisaria de um Lampard muito comprometido com questões defensivas e um Essien todocampista. Há três temporadas, Kevin Keegan salvou o Newcastle do rebaixamento ao Championship a partir do momento em que adotou o esquema com três atacantes: Owen, Martins e Viduka. Mas Owen voltava muito, quase como um enganche, à Forlán em sua versão da Copa do Mundo. Mesmo em times com muitos recursos, um 4-3-3 de fato precisa de uma sustentação especial.

Pois bem. Avram Grant, que se revelou um bom treinador no Chelsea em 2007-08, quis se aventurar no West Ham. Afundado na última posição da Premier League após viver trauma similar - mas compreensível - na temporada passada com o Portsmouth, o israelense lançou mão de uma formação excessivamente ousada no jogo contra o Newcastle, no sábado. Além do inusitado tridente ofensivo - Piquionne à direita, Obinna à esquerda e Carlton Cole no comando -, o meio-campo carecia de combatividade, com Behrami e Noble à frente do sempre lúcido, porém sacrificado na primeira volância, Scott Parker.

A combinação até funcionou no começo, com Piquionne, deslocado à esquerda, a assistir Carlton Cole, que não - não! - é bom finalizador como sugeriam os descabidos interesses de Liverpool e Arsenal. Entretanto, mesmo um time inconsistente como o Newcastle conseguiu fazer a festa. Sem pegada no meio, o West Ham foi completamente dominado por Gutiérrez, Tioté, Nolan e Barton, que sempre podiam contar com Carroll na referência. A totalmente merecida virada dos Magpies deixa claro que o problema não é o esquema, mas a má distribuição das peças. Se Grant prefere o 4-3-3, pode investir nele, mas não sem antes verificar questões fundamentais: os laterais conseguem compensar a ausência de wingers?; os pontas marcam a saída de bola?; haverá combatividade suficiente no meio?

Manejando seu elenco de forma adequada, Grant pode chegar a uma formação mais segura, que, em tese, seria suficiente para afastar os Hammers do fundo do poço. Vejamos: Green; Winston Reid, Upson, Gabbidon, Ilunga; Hitzlsperger (quando recuperado), Parker, Noble; Behrami, Cole, Barrera. É claro que a baciada de atacantes, especialmente Obinna, que tem agradado a muitos, tem de ser explorada. Mas a distribuição mais cautelosa dos jogadores parece vantajosa a um West Ham que culpava Gianfranco Zola por seus problemas de 2009-10, mas já pode crer que sua temporada fora da reta foi 2008-09, a do ótimo nono lugar inspirado pelo outrora bom trabalho do treinador italiano.

O grande Samir Nasri
O francês foi o melhor da ótima vitória por 3 a 0 do Arsenal contra o Manchester City. A expulsão de Boyata foi o evento que determinou o rumo do jogo, mas, em outros tempos, os Gunners teriam mais problemas para superar um conjunto que, sim, era mais confiante ao início do encontro. O que mudou? A consistência de Nasri, o grande jogador do Arsenal na temporada, inspirou o triunfo incontestável. Aliás, dele e de Song, figuras sobre quem falamos há um tempo. Ainda em evolução impressionante, os dois minimizam os pontos falhos e atribuem à equipe a chance de vencer grandes jogos. Ou, pelo menos, de jogar muito bem nesses momentos decisivos, como na derrota para o Chelsea em Bridge.

O Solskjaer mexicano
A maioria se lembra dos tempos do norueguês como jogador em Manchester. Não era tecnicamente fantástico, mas, na Champions ou na Premier League, tinha uma estrela absurda para marcar em ocasiões importantes. Assim parece ser Chicharito, que já mostrou ter um senso de oportunidade muito, muito apurado. A diferença é que Hernández, que, com dois gols, decidiu a partida em Stoke-on-Trent, ainda tem muito espaço de evolução. Por ora, a comparação, feita pelo jornalista Phil McNulty, da BBC, é suficiente para descrever o ainda reserva mexicano, como quase sempre foi Ole Gunnar: uma alternativa aos titulares. Mas, em algum tempo, seu notável potencial pode aproximá-lo mais de van Nistelrooy.

Liverpool bem melhor
O conjunto de Roy Hodgson não se limitou a vencer o Blackburn por 2 a 1. Com satisfatórias 20 finalizações (oito no alvo), o Liverpool sufocou os Rovers de um inspirado Paul Robinson. As melhoras de Joe Cole e Fernando Torres foram fundamentais para tanto. E também para, pela primeira vez, negar a possibilidade de o time, ainda na zona de rebaixamento, terminar a Premier League entre os três piores. Por outro lado, a efusiva comemoração na Inglaterra pela vitória revela que ninguém confia na equipe. Muito em função dos resultados recentes, mas também por conta da presença dos contestáveis Konchesky, Lucas e Maxi, que hoje não foram exatamente mal, mas têm desapontado demais. No frigir dos ovos, o triunfo alivia os torcedores do 18º colocado, mas não tira do NESV a responsabilidade de reparar a lateral esquerda, a volância e o ataque em janeiro.

Imagens: The Mirror, Metro, Site do Liverpool

21 de outubro de 2010

Nem oito, nem oitenta

Ao marcar um hat-trick, Gareth Bale ajudou o Tottenham a construir um placar enganoso em San Siro

Impressões muito precipitadas podem ser tiradas da partida entre Inter de Milão e Tottenham, principal jogo envolvendo um time inglês pela terceira rodada da Champions League. Quem não viu o jogo e soube apenas da vitória dos italianos por apertados 4 a 3 pensa que os espectadores em San Siro acompanharam uma partida épica. Já aqueles que viram mas não acompanham a Premier League ou nunca ou pouco haviam visto o Tottenham jogar provavelmente ficaram imaginando como um time fraco como os Spurs chegou à fase de grupos da UCL - afinal, os ingleses chegaram a estar perdendo por 4 a 0 ainda no primeiro tempo. Porém, a história não é bem assim.

Primeiramente, é inegável que o desempenho dos comandados de Redknapp foi péssimo, extremamente manchado por um primeiro tempo de dar pena, que foi e talvez será a pior exibição da equipe em toda a temporada - a não ser que consigam sair novamente para o intervalo perdendo por 4 a 0, exatamente como aconteceu ontem. A atuação defensiva foi simplesmente deplorável, o que ficou ainda mais escancarado quando Gomes foi expulso, logo aos oito minutos, seis após o Tottenham levar o primeiro gol. A Inter jogava como queria, deixando principalmente o zagueiro Gallas tonto - tanto que o francês falhou no primeiro e no quarto gols, além de ter tido muito trabalho como Eto'o. O show de horrores ficou evidente na terceira comemoração dos nerazzurri, quando tocaram a bola como quiseram no meio de toda a defesa inglesa, o que culminou no belo gol de Stankovic, após um corte errado de Huddlestone.

O mapa da mina, entretanto, foram as laterais. Hutton e Assou-Ekotto foram simplesmente desastrosos. Enquanto o camaronês - uma das maiores avenidas vistas na Copa do Mundo - inadmissivelmente tomou uma bola nas costas que fez Gomes cometer cometer pênalti em Biabiany e ser expulso, o escocês levou um verdadeiro baile de Phillipe Coutinho, sendo literalmente entortado pelo brasileiro na defesa e chegando ao cúmulo de ser facilmente desmarcado pelo mesmo no seu campo de ataque. Foi tão mal que convenceria Mano Menezes a escalar o garoto como titular da seleção brasileira por um bom tempo, além de fazer os vascaínos chorarem de raiva por terem perdido o jovem talento tão cedo.

Porém, para aqueles que nunca haviam visto o Tottenham jogar, sobretudo os que acompanham o Campeonato Italiano e decidiram acompanhar a partida por causa do lado italiano no confronto, é necessário dizer uma coisa: a equipe londrina não é ruim, embora tenha feito de tudo para provar o contrário no fatídico primeiro tempo. Afinal, não dá para duvidar de um time emergente no competitivo futebol inglês, que roubou do milionário Manchester City a última vaga para a atual UCL, que está empatado em número de pontos com Arsenal e Manchester United na Premier League e que possui em seu elenco excelentes nomes, como Defoe, Modric e, obviamente, Bale.

É por isso que, embora o setor defensivo reconhecidamente seja o ponto fraco da equipe, a pífia atuação do conjunto foi atípica. Se não fosse, o clube não estaria na Liga dos Campeões, e sim, no máximo, na Liga Europa. Isso se não estivesse, como nos maus tempos de Juande Ramos, na parte de baixo da tabela da Premier League. Aliás, tal competição nacional, é bom repetir, não mandaria um time tão desqualificado, tendo outros emergentes de qualidade, como Everton, Aston Villa e Manchester City - deixemos um Liverpool em cacos para ser considerado num outro dia. Junte-se a esse atípico mau desempenho a uma trágica atuação de Crouch no ataque e a um dia inspirado da Inter, e é possível entender por que tantos gols foram marcados pelos italianos.

Mas ainda falta saber por que os ingleses marcaram três vezes. Gols que, aliás, só serviram para enganar os desavisados: afinal, o segundo tempo foi extremamente sonolento, com a Inter, já acomodada, levando os 45 minutos finais em banho-maria e o seu adversário pouco ameaçando a meta de Júlio César. Além disso, dois gols dos Spurs foram marcados já nos acréscimos, quando pouco poderia ser feito.

Porém, a reação serviu para mostrar para a Europa quem é Gareth Bale. Assim como Lennon, o galês foi o único que se salvou da tendência à mediocridade do seu time, sendo responsável por um hat-trick e por salvar a honra do Tottenham. Foram três tentos que mostraram toda a qualidade do winger: muita rapidez, habilidade e uma bomba na perna esquerda foram suficientes para provar que é um dos grandes talentos da sua posição e que o Tottenham não conseguirá segurá-lo - fatalmente irá para um clube maior.

Em suma, uma análise cuidadosa não só da partida como da forma recente do Tottenham mostra que o time não é ruim como pareceu, mas que também não mereceu marcar tantos gols. Se uma lição deve ser guardada desse jogo, é que o clube não pode continuar tendo tantos apagões: além de não ter sido a primeira vez que isso aconteceu (a outra foi na fase anterior da UCL, contra o Young Boys), o time acaba não sendo muito bem visto por isso, o que é prejudicial para a sua reputação. E é bom lembrar que nem sempre Bale salva. Mas contratar outro lateral-esquerdo salva...

Dentro da normalidade: Como já era de se esperar, todos os outros ingleses venceram sem maiores dificuldades na UCL. Os destaques foram o belo gol de Zhirkov na vitóra do Chelsea em cima do Spartak Moscou fora de casa e a longa saudação dos torcedores do Arsenal ao atacante Eduardo, agora no Shakhtar, na vitória dos Gunners em cima dos ucranianos.

Imagem: BBC

17 de outubro de 2010

Noroeste selvagem

Poder de investimento e confiança no próprio taco: Roberto Mancini e David Moyes ilustram relevância de City e Everton no "Noroeste selvagem"

"Antes, faltava-nos qualidade em relação ao Liverpool. Penso que não é mais assim". O raciocínio é do excelente treinador do Everton, David Moyes. A alusão é à primeira vitória no Merseyside Derby na Premier League desde 2006, quando Andy Johnson (hoje no Fulham) e Tim Cahill construíram o revés do Liverpool por 3 a 0 no Goodison Park. O australiano, por sinal, marcou o primeiro gol do triunfo por 2 a 0 de ontem e ratificou o posto de segundo maior artilheiro do clássico, restringindo-o a confrontos na Premier League. Com cinco gols contra os Reds, Cahill perde apenas para Robbie Fowler, que já anotou seis diante dos Toffees. A façanha do meia/boxeador e o placar de quatro anos atrás mostram que a capacidade do Everton, com Moyes, sempre esteve ali, embora às vezes adormecida.

É evidente que o treinador escocês pretende valorizar um suposto acréscimo de qualidade a seu time. Entretanto, as campanhas passadas provam que essa evolução não existe. A agora equilibrada rivalidade de Merseyside tem de ser atribuída ao enfraquecimento dos Reds, que, graças ao New England Sports Ventures (que sempre chamaremos de NESV), pode ser passageiro. Turbulências a que não estão sujeitos os Toffees, de notável consistência nos últimos anos. Se, recentemente, o balanço entre Liverpool e Everton tem a ver com Hicks e Gillet, mais amplamente o equilíbrio é obra de Moyes, que chegou ao Goodison Park em março de 2002 para mudar o clube de patamar.

De 1997 a 2002, o Everton sempre flertou com o rebaixamento. Com Moyes - e sem significativo aporte financeiro -, aproximou-se da Champions, apesar da quebra de forma em 2003-04. Ademais, ainda que não possa chegar perto dos primeiros postos, o Everton sempre é um rival indigesto nos grandes confrontos. Embates como os da temporada passada contra o endinheirado Manchester City. No primeiro, vitória do Everton por 2 a 0 no Goodison Park, com um show de marcação de Fellaini sobre Robinho. No City of Manchester, novo triunfo dos Toffees por 2 a 0, em jogo marcado por confusão entre Moyes e Roberto Mancini.

Equiparando-se a seus rivais em nível municipal, Everton e Manchester City incitam o surgimento de nova rivalidade em âmbito regional, nos mesmos moldes de Liverpool x Manchester United. Contudo, a situação na capital do Norte é um tanto diferente. A evolução dos Citizens não está relacionada à consistência de um trabalho, mas ao repentino e absurdo aumento do poder de investimento. Disso, porém, todos já sabem. Passível de investigação é a validade das frequentes declarações de Alex Ferguson em tom de desprezo pelo crescimento do City. Isso até a temporada passada, quando ele tinha alguma razão, comprovada pela tabela e os confrontos municipais.

Na segunda posição da Premier League, a dois pontos do Chelsea, o Manchester City começa a ratificar a tese de que não há muitos argumentos contra um infinito poder de compra. Por exemplo, qual equipe inglesa tem mais opções para os lados do campo? Alguém pode equivaler seu elenco à abundância representada por Adam Johnson, David Silva, Milner, Wright-Phillips e Balotelli? E assim acontece em outros setores. Os Citizens não parecem ter jogadores realmente decisivos para desafiar o Chelsea ao fim do campeonato, mas podem vencer embates diretos - já o fizeram nesta temporada - e marcar mais pontos que os instáveis United, Arsenal e Tottenham.

O movimento que simboliza o novo momento do Manchester City é o de Tévez, de Old Trafford ao City of Manchester. O argentino, sim, é um jogador de quem Mancini não pode prescindir, do tipo que, se acompanhado por outros dessa espécie, pode levar o clube a um título relevante nos próximos anos. Com seis gols na Premier League, o Apache, agora capitão, é o mais valioso jogador da Inglaterra se pensarmos sobre o impacto que ele tem sobre o time. Há pouco mais de um ano, porém, Sir Alex Ferguson não pensava assim, preferiu não comprá-lo. Gary Neville disse que o escocês estava certo. É claro que não estava, mas a decisão é compreensível: em momento financeiro complicado, o United tem de ponderar cada possibilidade de investimento. O City não precisa, pode correr o risco de apostar alto num eventual flop. É aquela história: dentre tantas contratações, alguém certamente vai ser muito importante.

Outro fato que chama a atenção na rivalidade é a iminente saída de Rooney de Old Trafford. Habitualmente motivado por questões pessoais, Ferguson já vendeu Beckham, van Nistelrooy e Ronaldo ao Real Madrid. O mau relacionamento com o Shrek deve terminar da mesma forma. Muitos ventilam o interesse do City, mas essa transferência soa impossível. Ainda assim, a saída de Rooney é perigosa para o United porque não há cobertura para o posto de protagonista. Quando Bekcham saiu, havia van Nistelrooy. À saída do holandês, Cristiano estava lá. No momento em que o português partiu para Madrid, todos podiam confiar em Rooney. Agora, quem o cobrirá?

A menos que a transferência do atacante, que certamente será consumada em janeiro, renda uma troca, é muito possível que o Manchester United se torne algo similar ao City da temporada passada: ótimo time, boas opções para quase todas as posições, mas pouca gente para de fato decidir. O desdém de Ferguson em relação ao rival provinciano não vale mais, visto que, com Rooney ou ainda mais sem ele, os Citizens podem se equiparar aos Red Devils, da mesma forma - e por motivos diferentes - que o Everton é suficientemente forte para lutar contra o Liverpool. No Noroeste selvagem, em confrontos diretos, já se foi o tempo em que podia haver resultados surpreendentes.

Imagem: The Guardian

14 de outubro de 2010

Clássico dos desesperados

Uma cena desse tipo é tudo o que Gerrard não quer ver. E pela situação atual do Liverpool, nem pode

Não será dessa vez que o Liverpool deixará de ser o centro das atenções na Inglaterra. Ainda passando por um complicado processo de venda, o clube fará parte do jogo mais esperado da próxima rodada da Premier League: os Reds terão pela frente o clássico contra o grande rival Everton, num confronto mais conhecido como Derby do Merseyside. Uma partida que, aliás, será um verdadeiro clássico dos desesperados, já que não é somente a equipe de Roy Hodgson que passa por maus bocados an competição.

Sim, o Everton também não vai nada bem. Após um péssimo começo de campeonato e um desempenho pífio em casa, os Toffees conquistaram apenas dois dos quinze primeiros pontos possíveis. Dois bons resultados seguidos fora de casa (um empate contra o Fulham e uma vitória contra o Birmingham) salvaram a equipe de um trágico começo de temporada, mas ainda assim o clube se encontra apenas na décima-sétima posição - o que é muito pouco para quem deveria estar na zona de classificação para a Liga Europa, ou ao menos perto dela.

Porém, o Liverpool está bem pior. Além de estar um posto abaixo dos rivais, o que significa uma raríssima presença na zona de rebaixamento, o clube passa não só por uma série crise política como também técnica. Afinal, Roy Hodgson não consegue encontrar uma equipe ideal, seu elenco não ajuda e os reforços que chegaram não somaram muita coisa ao time - se Konchesky for lembrado, muito pelo contrário.

E talvez seja por isso que o Everton, à primeira vista, carrega consigo um leve favoritismo para o próximo domingo. Embora numa má posição na tabela, não se pode negar que o clube iniciou uma tímida recuperação nos dois últimos jogos; aliás, a parada para as eliminatórias da Euro foi péssima para os Toffees, justamente por ter freado esta reação. Além disso, os comandados de David Moyes não estavam jogando tão mal como os resultados finais davam a entender: todo o meio-campo vinha se destacando, e Tim Cahill continuava a ser o grande comandante da equipe. Porém, o time vinha sendo prejudicado por dois fatores que, como pode ser visto na tabela de classificação, colocavam tudo a perder: um grande número de finalizações perdidas pelo seu ataque e vacilos fora de hora da defesa e do goleiro Tim Howard.

No entanto, isso não é o que vem acontecendo com o Liverpool, já que os problemas por lá parecem ser maiores. Até agora, os Reds só conseguiram ser um time sem pegada e sem criatividade alguma, mas com excessiva desatenção e apatia. Já individualmente, a crise parece ganhar contornos ainda maiores: Gerrard não se sobressai, Torres continua deixando o time na mão devido aos seus problemas físicos, e os reforços - sobretudo Joe Cole - não correspondem. Isso para não falar de jogadores como Glen Johnson e Maxi Rodriguez, que seriam mais úteis se se preocupassem apenas em aparecer para o jogo em vez de atrapalhar mais ainda. E sinceramente, não se pode colocar a culpa do desempenho atual da equipe no tenso momento político vivido pelo clube: nesse caso, grande parte da questão parece mesmo ser técnica.

Se fosse necessário prever resultados e suas possíveis consequências, seria certo dizer que uma derrota seria muito mais atordoante ao Liverpool. É claro que um resultado negativo seria um baque para o Everton, tanto por interromper seu início de reação quanto pelo fato de perder em casa. Porém, deixar Goodison Park domingo sem nenhum ponto no bolso significaria aos Reds continuar mais uma rodada na zona de rebaixamento, algo inadmissível para um clube desse porte; além disso, passaria a sensação de que Hodgson não está tendo e nem terá sucesso em resolver os problemas do time, o que jogaria ainda mais pressão sobre o treinador, que já começa a ser contestado pela torcida.

Clássicos, entretanto, têm um poder incrível de revelar surpresas. Logo, mesmo não sendo favorito para vencer, o Liverpool pode surpreender no domingo. O retrospecto recente, aliás, é bastante favoráve para si, já que não perdem o Merseyside Derby pela Premier League desde 2006, quando foram impiedosamente derrotados por largos 3 a 0 na casa do rival, após trágicas atuações de Fabio Aurelio e Pepe Reina. Porém, caso Cahill e companhia estejam. E mais uma pitada de crise seja jogada em Anfield.

Imagem: Site oficial do Everton

12 de outubro de 2010

O empate de Fabio

Houve quem sonhasse com um gol de Vucinic após falha de Ferdinand. O provável desfile do montenegrino apenas de cueca, valorizando a façanha e ao mesmo tempo zombando dos ingleses, seria uma punição emblemática a Fabio Capello. Afinal, ele devolveu a faixa de capitão ao zagueiro do Manchester United, roubando-a de Gerrard.

Baseado no preceito de que líderes devem dar bons exemplos, Capello tirou a capitania de Terry antes da Copa e passou-a a Ferdinand, que perderia o torneio por lesão. Se o então capitão Gerrard, o terceiro de sua lista original, é o melhor inglês numa campanha desastrosa e, no primeiro jogo após o fiasco, salva sua pele ao marcar duas vezes na vitória por 2 a 1 sobre a Hungria, inspirando o resto do grupo como um autêntico líder, por que Capello tiraria a faixa dele? Apenas para respeitar uma hierarquia que parecia irrelevante diante do que Gerrard vinha fazendo.

Após a Copa de 2002, Parreira manteve Cafu como capitão da Seleção Brasileira. O lateral-direito do "Eu te amo, Regina" se transformou no líder do quinto título mundial do Brasil apenas porque Emerson, o antigo capitão de Scolari, foi cortado por conta de uma contusão. Mas, é claro, não seria prudente devolver a capitania ao Puma apenas em função de uma hierarquia prévia, que não havia sido estabelecida por Parreira, mas era conhecida por todo o elenco. Cafu foi conservado pelo bom exemplo. Gerrard também deveria ter sido.

Ainda assim, não se sabe se ou até que ponto a volta da faixa ao braço de Ferdinand teve impacto na ridícula exibição da Inglaterra contra a disciplinada seleção de Montenegro. Apesar da liderança montenegrina no grupo, o empate por 0 a 0 não foi tão desastroso porque os ingleses venceram - e muito bem - na Suíça. Entretanto, até pelo contraste entre as últimas atuações e a insossa tarde em Wembley, é preciso investigar o que aconteceu hoje. A apatia do sempre fundamental Gerrard, por exemplo, pode ter a ver com a perda da faixa, com a celeuma envolvendo o Liverpool ou mesmo ser uma simples extensão da fase não tão boa que vive em Anfield.

Mesmo assim, o erro de Capello não é apenas administrativo. Já não é novidade, aliás: o italiano, campeão no inútil quesito "aproveitamento como treinador da Inglaterra", equivocou-se na escalação e nas substituições. Se, enfim, acertou ao lançar os outrora desprezados Adam Johnson e Ashley Young (disparadamente, os melhores wingers à disposição) como titulares, Capello não os posicionou da melhor maneira.

No 4-4-2, a disposição do canhoto Johnson à direita e do destro Young à esquerda não funciona: eles jogam muito longe de gol, ao contrário do que aconteceria no 4-3-3. A menos que eles tenham muita liberdade, o ideal seria privilegiar as jogadas de fundo, que renderiam muito mais à Inglaterra, especialmente com um Crouch ocioso à frente. Johnson até dá certo no City pela direita, mas geralmente no 4-2-3-1, mais próximo da área adversária. Young, por sua vez, costuma se revezar com Downing no Aston Villa. Ora priorizam-se o corte e a finalização, ora priorizam-se as incursões à linha de fundo.

No segundo tempo, Capello resolveu sacar o melhor inglês, Ashley Young, que se virava como podia pela esquerda e distante do gol, para lançar Shaun Wright-Phillips, um dos maiores mistérios de seu trabalho. O rápido winger é reserva absoluto no Manchester City, mas segue ocupando um patamar inexplicável em sua hierarquia - agora a técnica, não a de liderança. É óbvio que ele, em péssima fase, errou quase tudo e minou as já escassas chances de a Inglaterra arrumar um gol. Wright-Phillips já é o Heskey do novo ciclo, em versão reduzida e ligeirinha.

Outro ponto diz respeito ao debutante Kevin Davies, que substituiu Crouch a 20 minutos do fim. Peter estava mal, é bem verdade. Mas... Kevin Davies? Aos 33 anos, ele até tem feito uma boa temporada pelo Bolton, mas os 43% de acerto nos passes, a ausência ofensiva, as três faltas cometidas e o cartão amarelo (para não perder o hábito) já explicam por que ele não deveria ter sido considerado, mesmo na convocação - é incrível, mas os não-lesionados Cameron Jerome, do Birmingham, e Andy Carroll, do Newcastle, mereciam mais (aliás, até Daniel Sturridge, do Chelsea, mas ele tinha compromisso importante com a seleção sub-21).

Capello também poderia ter aproveitado Wilshere para tentar surpreender Montenegro. Se Barry era tão inoperante e jogava em ritmo que nos fez esquecer seus primeiros anos de carreira, os quais ele gastou na lateral esquerda, não eram absurdos os clamores pelo jovem, que vem muito, muito bem no Arsenal. Pelo menos, alguém pensaria um jogo que, só de se pensar, já dava sono.

No fim das contas, o empate com Montenegro é mais de Capello que de qualquer outro, mas também deve ter parcela atribuída aos desempenhos individuais. Gerrard e Barry estavam mal, os laterais não compensavam os pés trocados dos wingers, Rooney perdia gols ridículos, e Crouch pouco contribuiu para vencer uma boa, porém desgastada defesa. Ademais, sem Terry, Lampard, Milner, Lennon e Defoe, as coisas ficariam mesmo um pouco mais complicadas. Ainda assim, a Inglaterra e os ingleses não estão bem. Mais uma vez.

Boa, garotos!
Se há quem tema pelo segundo revés consecutivo em Eliminatórias para a Euro no primeiro escalão, já existe a certeza da classificação para a competição sub-21, que será organizada pela Dinamarca no ano que vem. Após a vitória por 2 a 1 no primeiro jogo, a Inglaterra empatou por 0 a 0 com a Romênia em Botosani e garantiu seu posto. O sucesso ratifica o bom trabalho de Stuart Psycho Pearce, que levou os jovens ingleses à final da Euro 2009.

Imagens: Telegraph, BBC

8 de outubro de 2010

O rei dos empates

Até agora, Mark Hughes consegue fazer um bom trabalho no Fulham, mas vai sendo marcado pelo excessivo número de empates conquistados pela equipe

No final de julho, Mark Hughes foi contratado pelo Fulham para ser o sucessor de Roy Hodgson. Uma tarefa extremamente ingrata: além de levar um clube que parecia apenas fazer hora extra na Premier League à sua melhor posição na história da competição - os Cottagers terminaram a temporada 2008-09 em sétimo -, Hodgson conseguiu colocar o time na final da Liga Europa na campanha seguinte, após bater times como Juventus, Wolfsburg e Hamburgo. Logo, a missão do galês era bem clara: manter a equipe num posto respeitável no cenário inglês tendo em mãos um time composto por bons jogadores, como Dempsey, Zamora e Schwarzer, mas limitado e sem grandes talentos individuais.

Porém, após sete rodadas, pode-se dizer que Hughes vem fazendo um bom trabalho. Até agora, seus principais méritos foram manter a base vencedora de Hodgson - uma equipe coesa e extremamente trabalhadora e disciplinada - além de não ter perdido na Premier League (apenas o Manchester United também está invicto na competição). A princípio, um ótimo desempenho inicial, principalmente para quem vem de um fracasso no milionário Manchester City.

Mas nem tudo são flores: se é verdade que a equipe ainda não perdeu, também é verdade que o Fulham só venceu uma vez na competição; todos os seus outros seis jogos terminaram empatados. É devido a esse retrospecto que o clube está apenas na décima posição, atrás, por exemplo, de clubes que já perderam três vezes e que estão entre as defesas mais vazadas do campeonato, como Aston Villa e Blackpool.

Analisando a tabela, o desempenho, embora bizarro, é até compreensível. Dos sete jogos disputados até agora, os Cottagers jogaram fora quatro vezes, conseguindo empates contra clubes do mesmo nível: Bolton, Blackpool, Blackburn e West Ham. Em casa, um empate a ser comemorado contra o poderoso Manchester United e uma vitória - suada, é verdade, contra o Wolverhampton. O único resultado a ser lamentado é o empate sem gols contra o Everton em Craven Cottage: além do fator casa, era preciso tirar proveito da pressão que os Toffees sofriam para conseguir um resultado positivo. Porém, afora isso, todos os resultados até aqui foram aceitáveis.

É necessário também entender que Mark Hughes enfrenta dificuldades para montar o seu ataque. O galês tem seus três melhores atacantes (Bobby Zamora, Moussa Dembele e Andrew Johnson) no departamento médico, sendo obrigado a escalar o fraco e limitado Eddie Johnson entre os titulares. Se a equipe já tinha uma leve dificuldade para marcar gls tendo um dos três contundidos no ataque, imagine sem nenhum a disposição.

O problema é que a tabela não dá tréguas ao Fulham. Os próximos jogos em casa, onde a equipe parece ter bem mais chances de conseguir os três pontos, preveem encontros contra Tottenham, Aston Villa e Manchester City, sendo que entre essas partidas ainda há um clássico contra o Chelsea a ser disputado em Stamford Bridge. Ou Hughes leva seu time a vitórias em jogos complicados ou continua colecionando pontos provenientes de empates, o que não é nada bom: uma derrota após consecutivos empates pode ter um efeito devastador, jogando o time para a parte de baixo da tabela e colocando uma pressão enorme em cima dos jogadores por resultados positivos.

Imagem: Mirror Football

6 de outubro de 2010

Um novo tipo de paixão

Após seis meses de embaraços, a venda do Liverpool está prestes a ser concretizada. Em crise em campo e fora dele, os Reds têm sido comparados ao Leeds United de anos atrás, de modo que o terrível começo de temporada, associado ao flerte com o colapso financeiro, traz à tona a preocupação com o rebaixamento e, portanto, torna dramática a espera por novos investidores.

Os ainda donos Tom Hicks e George Gillet colocaram o clube à venda em abril. A condução do processo foi atribuída a Martin Broughton (presidente), Christian Purslow (diretor administrativo) e Ian Ayre (diretor comercial). Um semestre depois e ainda sob os descuidos de Hicks e Gillet, o Liverpool vê a dívida com o Royal Bank of Scotland chegar a 285 milhões de libras.

Agora, restam apenas nove dias para o encerramento do novo prazo para os Reds acertarem as contas com o RBS. Se não o fizerem, o banco escocês pode assumir o controle do clube e realizar uma espécie de leilão, ou mesmo colocá-lo em concordata, o que poderia representar a perda de nove pontos na tabela da Premier League, deixando a equipe com desesperadores três negativos.

Como não pretendem restringir o negócio à recuperação do investimento que fizeram no clube a partir de 2007, Hicks e Gillet dificultam ao máximo o processo de venda. Tão resistentes estão, que quiseram destituir os independentes Purslow e Ayre de seus cargos, alocando os apadrinhados Mack Hicks (filho de Tom) e Lori Kay McCutcheon, que passariam a controlar o processo de (não-)venda.

O imbróglio ganhou maiores proporções ontem, quando a diretoria autônoma aceitou a proposta de compra feita pelo New England Sports Ventures (NESV), grupo de investidores que, desde 2002, controla a bem sucedida franquia do beisebol ianque Boston Red Sox. O negócio gira em torno de 300 milhões de libras, garantiria a Hicks e Gillet o retorno do investimento e quitaria as dívidas do Liverpool.

A consumação da venda depende da batalha judicial envolvendo a última peripécia dos proprietários Hicks e Gillet e da aprovação da Premier League. O posicionamento da liga sai em 8 de outubro, enquanto a decisão do tribunal será tomada na próxima semana. O vasto histórico de vendas na Inglaterra, viabilizado pelo modelo de gestão, e o bom senso (no que se refere à tentativa disparatada de Hicks e Gillet) indicam que o negócio deve mesmo ser concluído.

Imediatamente, imagina-se que John W. Henry, principal proprietário do NESV, pode ser uma espécie de salvador do Liverpool. De certa forma, é mesmo. Por preceitos de mercado, a aproximação do vencimento do prazo para a quitação da dívida e a iminência do controle do clube pelo Royal Bank of Scotland poderiam fazer os interessados ficarem apenas na espreita, à espera da chance de comprar o clube por preço de banana, lógica contrariada por Henry. Ademais, o projeto do NESV é ambicioso, faz referência a solidez agora e títulos em médio prazo. Se não perder suas peças-chave e tiver um ambiente minimamente saudável, o Liverpool transformará as especulações de rebaixamento em piada pura.

Entretanto, não seria este mais um capítulo de um ciclo? O modelo de gestão na Inglaterra, que não impõe controle de contas e permite investimentos provenientes de qualquer canto, amplia as possibilidades dos clubes nas duas extremidades: mais fácil prosperar, mais fácil afundar. Essa gangorra pode, num intervalo de duas temporadas, transformar o Stoke City numa potência em nível continental, ou deixar gigantes à mercê de colapsos relativamente repentinos, de modo que sua tradição seja, sim, uma vantagem, mas não imune, por exemplo, a recessões.

É claro que a relevância do processo de administração é inerente a qualquer clube, e, naturalmente, os adeptos torcem por seus jogadores, mas também por boas decisões da cúpula. Ainda assim, o ponto a que chegou a lógica de gestão na Inglaterra, bem representada pelos exemplos de Portsmouth, Liverpool e Manchester United, parece demandar um maior controle das contas e da origem dos investimentos. A sobrevivência e/ou a manutenção do poder mesmo de um grande clube não deveriam ser completamente dependentes dos rumos da economia. Uma retração no mercado, e a tradição do Liverpool não seria suficiente para evitar a reedição da derrocada do Leeds.

Protestos como o dos cachecóis em alusão ao Newton Heath, time que deu origem ao Manchester United, são os reflexos de uma pergunta recorrente: para quem eu estou torcendo? Investidores sem nenhuma relação prévia com o clube o utilizam apenas para fins econômicos e, portanto, transformam-no num empreendimento comum, passível de repasse ou colapso. Os torcedores precisam, portanto, adaptar sua paixão à irrestrita liberdade dos magnatas, que brincam com verdadeiros sentimentos de identificação. Mesmo assim, continuamos nos emocionando, torcendo, agora também com a incerteza de como será o amanhã.

Imagens: AP, Telegraph, The First Post

2 de outubro de 2010

O novo Bergkamp?

Rafael van der Vaart e Harry Redknapp: compatíveis

A decisão precisava ser tomada rapidamente. O prazo para transferências estava se esgotando, e a melhor pechincha do mercado de verão, um poço de insatisfação em seu clube, fatalmente trocaria de patrão. A contratação de Rafael van der Vaart pelo Tottenham, pela bagatela de oito milhões de libras, foi o risco calculado de Harry Redknapp. Jogadores da estirpe do holandês costumam ser vistos com desconfiança por conservadores ingleses. Afinal, eles dificilmente se encaixam no 4-4-2 ortodoxo, que exige presença de área dos atacantes, combatividade e criatividade dos meias centrais e velocidade dos wingers. Van der Vaart não deve jogar regularmente em nenhuma dessas funções: é explosivo, tem ótima finalização de média distância e alguma criatividade. Rafael é meia-atacante. Assim, no Hamburgo, arrebentou.

No Real Madrid, pouco fez. Os seis jogos e quatro gols pelo Tottenham não são, portanto, um indício da reedição dos casos de Robben e Sneijder, cujas vendas martirizam os madridistas até hoje. Com a aposta em Özil, van der Vaart tinha de ser negociado mesmo. Melhor para os Spurs e para o tradicionalista Redknapp. Com uma visão conservadora do futebol e sem dar a mínima importância para variações táticas, o treinador do Tottenham raramente foge do 4-4-2 clássico. Com Rafael, porém, isso mudou um pouco. A formação predileta de Harry ainda é a tradicional, mas ele tem recorrido a alguns mecanismos para inserir van der Vaart em seu sistema.

Na vitória por 2 a 1 sobre o Aston Villa, por exemplo, o Tottenham foi inicialmente disposto com Crouch e Pavlyuchenko à frente. Van der Vaart fechou o meio-campo, ao lado de Jenas, Modric e Bale. Não deu muito certo. O conjunto de Gérard Houllier teve espaço para trabalhar, marcou primeiro através de Albrighton (com jogadaça de Emile Heskey, o Mr. Em), e o ex-madridista não foi tão eficiente, centralizado ou mais à direita. No fim do primeiro tempo, de cabeça, Rafael resgatou as chances dos Spurs no jogo. Após o intervalo, Redknapp trocou Pavlyuckenko por Lennon e adiantou o holandês. No suporte a Crouch, ele foi novamente decisivo. Aliás, Crouch foi quem esteve no suporte a van der Vaart. A jogada do primeiro gol se repetiu: o centroavante da seleção inglesa escorou de cabeça, e o temperamental meia-atacante finalizou uma sequência que pode se tornar rotineira em White Hart Lane.

Na Inglaterra, muitos têm associado van der Vaart a Bergkamp. Pensando taticamente, faz sentido. O grande Arsenal de 2001 a 2004, inesquecível em sua versão da última dessas temporadas, jogava numa espécie de 4-4-1-1, um 4-2-3-1 com a bola. Parlour (ou Gilberto Silva) recuperava a posse de bola, entregava-a Vieira, que abria o jogo, com Ljungberg à direita ou Pires à esquerda. Eles sempre sabiam a quem dar o passe: Dennis Bergkamp, já experiente, esperava, na entrada da área, para arrematar ou assistir Henry, que passava voando pela esquerda. Articulações como essa não eram raras e dependiam de Bergkamp.

São consensuais os fatos de que a comparação pode soar prematura e de que van der Vaart não tem a classe de Dennis. Mesmo assim, não é exagero dizer que, guardadas as apropriadas proporções, as funções dos holandeses são similares. Em jogos complicados da Champions ou mesmo em algumas circunstâncias na Premier League, parece muito possível que Redknapp ignore seu abundante elenco de atacantes e sacrifique um singelo aspecto de seu clássico sistema em benefício de Rafael - e do time. Com inúmeras opções no meio-campo, o Tottenham pode ser escalado com Huddlestone (ou Sandro) e Modric (ou Palacios) ligeiramente recuados, para dar liberdade a Lennon e Bale (este, por sinal, em forma absolutamente fantástica). Com van der Vaart na linha dos três meias, o único atacante - não importa quem - jamais estará isolado na prática.

Adaptados às necessidades de seus times e aos próprios repertórios, Bergkamp (no Arsenal de 1995 a 2006) e van der Vaart são diferentes. Este, aliás, será um excelente instrumento para, até dezembro, compensar a ausência do lesionado Defoe no que se refere à capacidade de finalização dos Spurs. Depois, não se sabe. Pode ser que o holandês não se revele tão eficaz ao lado de Defoe - e sem a assessoria de Crouch para aparar bolas de cabeça -, ou mesmo que seu temperamento o leve a cometer sandices. Por fim, Bergkamp era mais habilidoso, de jogo mais encantador e, no frigir dos ovos, melhor mesmo. Ainda assim, a inevitável associação, embora precoce por conta da curta experiência de Rafael pelo Tottenham, é muito lógica. E não apenas por palavras-chave - "Ajax", "Holanda", "Londres", "second striker", "attacking midfielder".