17 de outubro de 2010

Noroeste selvagem

Poder de investimento e confiança no próprio taco: Roberto Mancini e David Moyes ilustram relevância de City e Everton no "Noroeste selvagem"

"Antes, faltava-nos qualidade em relação ao Liverpool. Penso que não é mais assim". O raciocínio é do excelente treinador do Everton, David Moyes. A alusão é à primeira vitória no Merseyside Derby na Premier League desde 2006, quando Andy Johnson (hoje no Fulham) e Tim Cahill construíram o revés do Liverpool por 3 a 0 no Goodison Park. O australiano, por sinal, marcou o primeiro gol do triunfo por 2 a 0 de ontem e ratificou o posto de segundo maior artilheiro do clássico, restringindo-o a confrontos na Premier League. Com cinco gols contra os Reds, Cahill perde apenas para Robbie Fowler, que já anotou seis diante dos Toffees. A façanha do meia/boxeador e o placar de quatro anos atrás mostram que a capacidade do Everton, com Moyes, sempre esteve ali, embora às vezes adormecida.

É evidente que o treinador escocês pretende valorizar um suposto acréscimo de qualidade a seu time. Entretanto, as campanhas passadas provam que essa evolução não existe. A agora equilibrada rivalidade de Merseyside tem de ser atribuída ao enfraquecimento dos Reds, que, graças ao New England Sports Ventures (que sempre chamaremos de NESV), pode ser passageiro. Turbulências a que não estão sujeitos os Toffees, de notável consistência nos últimos anos. Se, recentemente, o balanço entre Liverpool e Everton tem a ver com Hicks e Gillet, mais amplamente o equilíbrio é obra de Moyes, que chegou ao Goodison Park em março de 2002 para mudar o clube de patamar.

De 1997 a 2002, o Everton sempre flertou com o rebaixamento. Com Moyes - e sem significativo aporte financeiro -, aproximou-se da Champions, apesar da quebra de forma em 2003-04. Ademais, ainda que não possa chegar perto dos primeiros postos, o Everton sempre é um rival indigesto nos grandes confrontos. Embates como os da temporada passada contra o endinheirado Manchester City. No primeiro, vitória do Everton por 2 a 0 no Goodison Park, com um show de marcação de Fellaini sobre Robinho. No City of Manchester, novo triunfo dos Toffees por 2 a 0, em jogo marcado por confusão entre Moyes e Roberto Mancini.

Equiparando-se a seus rivais em nível municipal, Everton e Manchester City incitam o surgimento de nova rivalidade em âmbito regional, nos mesmos moldes de Liverpool x Manchester United. Contudo, a situação na capital do Norte é um tanto diferente. A evolução dos Citizens não está relacionada à consistência de um trabalho, mas ao repentino e absurdo aumento do poder de investimento. Disso, porém, todos já sabem. Passível de investigação é a validade das frequentes declarações de Alex Ferguson em tom de desprezo pelo crescimento do City. Isso até a temporada passada, quando ele tinha alguma razão, comprovada pela tabela e os confrontos municipais.

Na segunda posição da Premier League, a dois pontos do Chelsea, o Manchester City começa a ratificar a tese de que não há muitos argumentos contra um infinito poder de compra. Por exemplo, qual equipe inglesa tem mais opções para os lados do campo? Alguém pode equivaler seu elenco à abundância representada por Adam Johnson, David Silva, Milner, Wright-Phillips e Balotelli? E assim acontece em outros setores. Os Citizens não parecem ter jogadores realmente decisivos para desafiar o Chelsea ao fim do campeonato, mas podem vencer embates diretos - já o fizeram nesta temporada - e marcar mais pontos que os instáveis United, Arsenal e Tottenham.

O movimento que simboliza o novo momento do Manchester City é o de Tévez, de Old Trafford ao City of Manchester. O argentino, sim, é um jogador de quem Mancini não pode prescindir, do tipo que, se acompanhado por outros dessa espécie, pode levar o clube a um título relevante nos próximos anos. Com seis gols na Premier League, o Apache, agora capitão, é o mais valioso jogador da Inglaterra se pensarmos sobre o impacto que ele tem sobre o time. Há pouco mais de um ano, porém, Sir Alex Ferguson não pensava assim, preferiu não comprá-lo. Gary Neville disse que o escocês estava certo. É claro que não estava, mas a decisão é compreensível: em momento financeiro complicado, o United tem de ponderar cada possibilidade de investimento. O City não precisa, pode correr o risco de apostar alto num eventual flop. É aquela história: dentre tantas contratações, alguém certamente vai ser muito importante.

Outro fato que chama a atenção na rivalidade é a iminente saída de Rooney de Old Trafford. Habitualmente motivado por questões pessoais, Ferguson já vendeu Beckham, van Nistelrooy e Ronaldo ao Real Madrid. O mau relacionamento com o Shrek deve terminar da mesma forma. Muitos ventilam o interesse do City, mas essa transferência soa impossível. Ainda assim, a saída de Rooney é perigosa para o United porque não há cobertura para o posto de protagonista. Quando Bekcham saiu, havia van Nistelrooy. À saída do holandês, Cristiano estava lá. No momento em que o português partiu para Madrid, todos podiam confiar em Rooney. Agora, quem o cobrirá?

A menos que a transferência do atacante, que certamente será consumada em janeiro, renda uma troca, é muito possível que o Manchester United se torne algo similar ao City da temporada passada: ótimo time, boas opções para quase todas as posições, mas pouca gente para de fato decidir. O desdém de Ferguson em relação ao rival provinciano não vale mais, visto que, com Rooney ou ainda mais sem ele, os Citizens podem se equiparar aos Red Devils, da mesma forma - e por motivos diferentes - que o Everton é suficientemente forte para lutar contra o Liverpool. No Noroeste selvagem, em confrontos diretos, já se foi o tempo em que podia haver resultados surpreendentes.

Imagem: The Guardian

2 comentários:

Alessandro disse...

Excelente Texto. Continuo apreciando o trabalho de vocês. Ah. e concordo com o texto tbm. Parabéns!

Daniel Leite disse...

Valeu, Alessandro. Espero que, em breve, as postagens sejam mais frequentes. Abraço.