Após seis meses de embaraços, a venda do Liverpool está prestes a ser concretizada. Em crise em campo e fora dele, os Reds têm sido comparados ao Leeds United de anos atrás, de modo que o terrível começo de temporada, associado ao flerte com o colapso financeiro, traz à tona a preocupação com o rebaixamento e, portanto, torna dramática a espera por novos investidores.
Os ainda donos Tom Hicks e George Gillet colocaram o clube à venda em abril. A condução do processo foi atribuída a Martin Broughton (presidente), Christian Purslow (diretor administrativo) e Ian Ayre (diretor comercial). Um semestre depois e ainda sob os descuidos de Hicks e Gillet, o Liverpool vê a dívida com o Royal Bank of Scotland chegar a 285 milhões de libras.
Agora, restam apenas nove dias para o encerramento do novo prazo para os Reds acertarem as contas com o RBS. Se não o fizerem, o banco escocês pode assumir o controle do clube e realizar uma espécie de leilão, ou mesmo colocá-lo em concordata, o que poderia representar a perda de nove pontos na tabela da Premier League, deixando a equipe com desesperadores três negativos.
Como não pretendem restringir o negócio à recuperação do investimento que fizeram no clube a partir de 2007, Hicks e Gillet dificultam ao máximo o processo de venda. Tão resistentes estão, que quiseram destituir os independentes Purslow e Ayre de seus cargos, alocando os apadrinhados Mack Hicks (filho de Tom) e Lori Kay McCutcheon, que passariam a controlar o processo de (não-)venda.
O imbróglio ganhou maiores proporções ontem, quando a diretoria autônoma aceitou a proposta de compra feita pelo New England Sports Ventures (NESV), grupo de investidores que, desde 2002, controla a bem sucedida franquia do beisebol ianque Boston Red Sox. O negócio gira em torno de 300 milhões de libras, garantiria a Hicks e Gillet o retorno do investimento e quitaria as dívidas do Liverpool.
A consumação da venda depende da batalha judicial envolvendo a última peripécia dos proprietários Hicks e Gillet e da aprovação da Premier League. O posicionamento da liga sai em 8 de outubro, enquanto a decisão do tribunal será tomada na próxima semana. O vasto histórico de vendas na Inglaterra, viabilizado pelo modelo de gestão, e o bom senso (no que se refere à tentativa disparatada de Hicks e Gillet) indicam que o negócio deve mesmo ser concluído.
Imediatamente, imagina-se que John W. Henry, principal proprietário do NESV, pode ser uma espécie de salvador do Liverpool. De certa forma, é mesmo. Por preceitos de mercado, a aproximação do vencimento do prazo para a quitação da dívida e a iminência do controle do clube pelo Royal Bank of Scotland poderiam fazer os interessados ficarem apenas na espreita, à espera da chance de comprar o clube por preço de banana, lógica contrariada por Henry. Ademais, o projeto do NESV é ambicioso, faz referência a solidez agora e títulos em médio prazo. Se não perder suas peças-chave e tiver um ambiente minimamente saudável, o Liverpool transformará as especulações de rebaixamento em piada pura.
Entretanto, não seria este mais um capítulo de um ciclo? O modelo de gestão na Inglaterra, que não impõe controle de contas e permite investimentos provenientes de qualquer canto, amplia as possibilidades dos clubes nas duas extremidades: mais fácil prosperar, mais fácil afundar. Essa gangorra pode, num intervalo de duas temporadas, transformar o Stoke City numa potência em nível continental, ou deixar gigantes à mercê de colapsos relativamente repentinos, de modo que sua tradição seja, sim, uma vantagem, mas não imune, por exemplo, a recessões.
É claro que a relevância do processo de administração é inerente a qualquer clube, e, naturalmente, os adeptos torcem por seus jogadores, mas também por boas decisões da cúpula. Ainda assim, o ponto a que chegou a lógica de gestão na Inglaterra, bem representada pelos exemplos de Portsmouth, Liverpool e Manchester United, parece demandar um maior controle das contas e da origem dos investimentos. A sobrevivência e/ou a manutenção do poder mesmo de um grande clube não deveriam ser completamente dependentes dos rumos da economia. Uma retração no mercado, e a tradição do Liverpool não seria suficiente para evitar a reedição da derrocada do Leeds.
Protestos como o dos cachecóis em alusão ao Newton Heath, time que deu origem ao Manchester United, são os reflexos de uma pergunta recorrente: para quem eu estou torcendo? Investidores sem nenhuma relação prévia com o clube o utilizam apenas para fins econômicos e, portanto, transformam-no num empreendimento comum, passível de repasse ou colapso. Os torcedores precisam, portanto, adaptar sua paixão à irrestrita liberdade dos magnatas, que brincam com verdadeiros sentimentos de identificação. Mesmo assim, continuamos nos emocionando, torcendo, agora também com a incerteza de como será o amanhã.
Imagens: AP, Telegraph, The First Post
Os ainda donos Tom Hicks e George Gillet colocaram o clube à venda em abril. A condução do processo foi atribuída a Martin Broughton (presidente), Christian Purslow (diretor administrativo) e Ian Ayre (diretor comercial). Um semestre depois e ainda sob os descuidos de Hicks e Gillet, o Liverpool vê a dívida com o Royal Bank of Scotland chegar a 285 milhões de libras.
Agora, restam apenas nove dias para o encerramento do novo prazo para os Reds acertarem as contas com o RBS. Se não o fizerem, o banco escocês pode assumir o controle do clube e realizar uma espécie de leilão, ou mesmo colocá-lo em concordata, o que poderia representar a perda de nove pontos na tabela da Premier League, deixando a equipe com desesperadores três negativos.
Como não pretendem restringir o negócio à recuperação do investimento que fizeram no clube a partir de 2007, Hicks e Gillet dificultam ao máximo o processo de venda. Tão resistentes estão, que quiseram destituir os independentes Purslow e Ayre de seus cargos, alocando os apadrinhados Mack Hicks (filho de Tom) e Lori Kay McCutcheon, que passariam a controlar o processo de (não-)venda.
O imbróglio ganhou maiores proporções ontem, quando a diretoria autônoma aceitou a proposta de compra feita pelo New England Sports Ventures (NESV), grupo de investidores que, desde 2002, controla a bem sucedida franquia do beisebol ianque Boston Red Sox. O negócio gira em torno de 300 milhões de libras, garantiria a Hicks e Gillet o retorno do investimento e quitaria as dívidas do Liverpool.
A consumação da venda depende da batalha judicial envolvendo a última peripécia dos proprietários Hicks e Gillet e da aprovação da Premier League. O posicionamento da liga sai em 8 de outubro, enquanto a decisão do tribunal será tomada na próxima semana. O vasto histórico de vendas na Inglaterra, viabilizado pelo modelo de gestão, e o bom senso (no que se refere à tentativa disparatada de Hicks e Gillet) indicam que o negócio deve mesmo ser concluído.
Imediatamente, imagina-se que John W. Henry, principal proprietário do NESV, pode ser uma espécie de salvador do Liverpool. De certa forma, é mesmo. Por preceitos de mercado, a aproximação do vencimento do prazo para a quitação da dívida e a iminência do controle do clube pelo Royal Bank of Scotland poderiam fazer os interessados ficarem apenas na espreita, à espera da chance de comprar o clube por preço de banana, lógica contrariada por Henry. Ademais, o projeto do NESV é ambicioso, faz referência a solidez agora e títulos em médio prazo. Se não perder suas peças-chave e tiver um ambiente minimamente saudável, o Liverpool transformará as especulações de rebaixamento em piada pura.
Entretanto, não seria este mais um capítulo de um ciclo? O modelo de gestão na Inglaterra, que não impõe controle de contas e permite investimentos provenientes de qualquer canto, amplia as possibilidades dos clubes nas duas extremidades: mais fácil prosperar, mais fácil afundar. Essa gangorra pode, num intervalo de duas temporadas, transformar o Stoke City numa potência em nível continental, ou deixar gigantes à mercê de colapsos relativamente repentinos, de modo que sua tradição seja, sim, uma vantagem, mas não imune, por exemplo, a recessões.
É claro que a relevância do processo de administração é inerente a qualquer clube, e, naturalmente, os adeptos torcem por seus jogadores, mas também por boas decisões da cúpula. Ainda assim, o ponto a que chegou a lógica de gestão na Inglaterra, bem representada pelos exemplos de Portsmouth, Liverpool e Manchester United, parece demandar um maior controle das contas e da origem dos investimentos. A sobrevivência e/ou a manutenção do poder mesmo de um grande clube não deveriam ser completamente dependentes dos rumos da economia. Uma retração no mercado, e a tradição do Liverpool não seria suficiente para evitar a reedição da derrocada do Leeds.
Protestos como o dos cachecóis em alusão ao Newton Heath, time que deu origem ao Manchester United, são os reflexos de uma pergunta recorrente: para quem eu estou torcendo? Investidores sem nenhuma relação prévia com o clube o utilizam apenas para fins econômicos e, portanto, transformam-no num empreendimento comum, passível de repasse ou colapso. Os torcedores precisam, portanto, adaptar sua paixão à irrestrita liberdade dos magnatas, que brincam com verdadeiros sentimentos de identificação. Mesmo assim, continuamos nos emocionando, torcendo, agora também com a incerteza de como será o amanhã.
Imagens: AP, Telegraph, The First Post
2 comentários:
Muito bom, é realmente isso que acontece hj em dia, uma pena.
Otimo texto, muito bom mesmo.
Tudo de bom.
Valeu, cara. Abraço.
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