16 de setembro de 2009

Estilos e comportamentos

Nem seria necessário escrever: "vai ter volta, Adebayor!"

Futebol é coisa séria. A frase, óbvia para quem aprecia o esporte, é válida para campos profissionais, semi-profissionais e amadores. Entretanto, o comportamento de pessoas ligadas à modalidade nem sempre vai ao encontro da afirmação. Por exemplo, pensemos na conduta de alguns torcedores brasileiros na partida contra o Chile, realizada em Salvador.

Quando, com um jogador a menos, o Brasil sofreu o empate, o público passou a incentivar os estrangeiros com o grito de "olé" a cada toque de bola. Após os dois gols que decidiram o jogo, porém, os adeptos puseram-se a proclamar: "Adeus, Chile!". Ora, o que significa isso? Os chilenos não foram eliminados de nada, tampouco devem ficar fora da Copa. No máximo, pegariam o voo para Santiago. Ou seja, às vezes somos imediatistas e estamos por fora.

Esse tipo de comportamento alheio ao que está acontecendo no futebol acaba por influenciar as atitudes dos jogadores. Por aqui, muitos deles cavam faltas, ludibriam as arbitragens (que são cúmplices no processo) e agem de forma violenta sem que nada aconteça. Contudo, na Inglaterra a banda toca de forma diferente. Na Premier League (ou mesmo em outros campeonatos), cada movimento é analisado por torcedores e críticos com um nível ferrenho de fiscalização.

Os atentos olhares exigem pelo menos três características dos atletas: honestidade, não-violência e fair play - quase o mesmo que "jogo limpo". Eles não procuram por um Mahatma Gandhi, mas apenas por um jogo mais agradável. Por isso, adeptos e jornalistas chegam a exagerar nas reações a cada lance.

O atacante Eduardo da Silva, do Arsenal, é um exemplo de como as opiniões na Inglaterra são duras e dinâmicas. No início de 2008, o brasileiro naturalizado croata sofreu um grande golpe na carreira e na perna esquerda. O zagueiro Martin Taylor, do Birmingham City, fraturou-lhe a fíbula e produziu uma cena horrorosa. O centroavante, então, ganhou a simpatia de todos os clubes e torcedores no país. No retorno, após uma temporada longe da profissão, comoveu o Emirates Stadium ao marcar diante do Cardiff City.

Todavia, agora sua imagem está manchada. Há três semanas, Eduardo simulou ter sido derrubado dentro da área durante o jogo da volta contra o Celtic, pela quarta fase preliminar da Liga dos Campeões. O árbitro Manuel González apontou para a marca do pênalti, e o croata marcou o gol para os Gunners. Mas está muito claro que nada valeu a pena. Eduardo foi inicialmente punido por dois jogos pela UEFA (que acabou cancelando a sanção após pedido do Arsenal) e, muito pior do que isso, recebe até hoje caudalosas vaias sempre que domina a bola em jogos pela Premier League. O atacante, outrora admirado por conta de uma luta pessoal, passa a ser execrado por jornalistas e torcedores em virtude da malandragem.



A violência é outro ponto muito debatido na Inglaterra. Embora agressões como a de Martin Taylor a Eduardo habitualmente não gerem punições, a forma como o jogador ríspido passa a ser visto pela sociedade do futebol muda completamente. São os casos do próprio Taylor e do lateral-esquerdo/zagueiro austríaco Emanuel Pogatetz. Quanto atuava no Spartak de Moscou, o "Cachorro Louco" (um dos apelidos de Pogatetz) provocou fraturas nas duas pernas do russo Yaroslav Kharitonskiy. Por isso, ele foi afastado do futebol pela federação local por 24 semanas.

Essa figura nada agradável chegou ao Middlesbrough ainda em 2005. Steve McClaren, seu antigo treinador no Boro, rasgou elogios ao austríaco: "ele nunca dá menos de 300% de si nas partidas", afirmou o ex-técnico da seleção inglesa. Mas a opinião pública sobre Pogatetz piorou muito quando, no ano passado, numa partida pela Copa da Liga, ele poderia ter encerrado a carreira do brasileiro Rodrigo Possebon, do Manchester United, conforme você vê no vídeo abaixo. Felizmente, Possebon não teve nenhum osso da perna fraturado.

Contudo, a imensa repercussão do lance o fez ser "temido" por vários jogadores habilidosos da Premier League, entre os quais estava Cristiano Ronaldo. Medos à parte, a Premier League pode "respirar" aliviada por algum tempo. O Middlesbrough de Pogatetz foi rebaixado na temporada passada.



Nem só de malandragem e rispidez vive o futebol inglês, que fique bem claro. As boas ações também ganham muito espaço nos noticiários e nas memórias dos torcedores. Vez ou outra, grandes exemplos de fair play vêm à tona. Por exemplo, qual é o fanático torcedor do Liverpool que não sabe que o maior ídolo do clube nos anos 90, Robbie Fowler, assumiu não ter sofrido pênalti num jogo contra o Arsenal em 1997? Certamente, nenhum.

O atacante foi "obrigado" pelo árbitro a efetuar a cobrança. Desleixado, desperdiçou-a, embora Jason McAteer tenha feito o gol no rebote. Fowler garante que tentou marcar, mas muitos não se convenceram. Talvez por isso, ele seja chamado de "God" pelos torcedores do Liverpool. Isso mesmo: em Anfield Road, Fowler é "Deus". Outros episódios, como o protagonizado pelo italiano Paolo Di Canio, então no West Ham, ficaram muito famosos.

Em 2007, o Leicester City virou exemplo para o mundo ao permitir que o goleiro do Nottingham Forest marcasse um gol numa partida pela Copa da Liga. O lance, cujas circunstâncias são explicadas no vídeo abaixo, teve repercussão suficiente para virar uma nota coberta no brasileiro Jornal da Globo! Com raras exceções, só assim mesmo para assistirmos a demonstrações futebolísticas de gentileza nos telejornais locais.

2 comentários:

Leandrus disse...

Eu confesso que achei a punição dada pela UEFA a Eduardo da Silva exagerada; embora obviamente seja contra simulações, não creio que seja algo tão grave para ser punida com suspensão. Porém, a "mancha" que sua carreira ganhou na Inglaterra será bom tanto para o jogador pensar duas vezes na momento em que for simular um penalti quanto para outros jogadores pensarem no mesmo. Aliás, já pensou se a moda pega aqui no Brasil? O que ia ter de jogador vaiado em gramados brasileiros não tá no gibi...

E esses casos de fair play na Inglaterra foram um pouco bizarros: Di Canio, por exemplo, ficou com a imagem de "anjinho", coisa que certamente não é, como mostra a sua carreira...

Ateh!

Daniel Leite disse...

Duvido muito que a moda pegue por aqui, Leandrus. Aliás, o teor do texto foi justamente este: destacar algumas das grandes diferenças culturais do futebol inglês em relação ao brasileiro.

O fair play também é importante para atenuar manchas em carreiras controversas, como a de Di Canio. Isso mostra que o italiano, embora tenha sido um "Cantona da Bota" (aliás, Cantona vem aí. Aguardem!), apresenta uma faceta de bom senso - se bem que eu muito estranhei a queda do goleiro no lance.

Até mais!