1 de novembro de 2010

Preconceito

Não se trata do show de horrores protagonizado por supostos cidadãos no Twitter, que não aceitam derrotas eleitorais, fantasiam razões para uma vitória legítima e, sem qualquer argumento minimamente aceitável, discriminam os brasileiros do Nordeste. Trata-se da décima rodada da Premier League, que, tal qual o bom senso em redes sociais, derrubou ideias preconcebidas.

No clássico de Birmingham, Gérard Houllier fez valer sua autoridade. Stephen Ireland, moeda de troca na transferência de Milner para o Manchester City, começa a causar problemas no Villa Park. Após chegar com status de substituto direto e inconteste do agora jogador dos Citizens (meia central na maior parte da temporada passada, pelo Aston Villa), o irlandês não tem agradado ao treinador francês. "Precisa treinar mais duro", diz o ex-manager do Liverpool. Contra o Birmingham, Stephen, que jogara mal diante do Sunderland, na rodada anterior, foi rebaixado ao banco de reservas. Com vários desfalques, Houllier prescindiu da classe do ex-meia do City em benefício do jovem Barry Bannan, o escolhido para substituir Sidwell no segundo tempo. Ireland amargou a reserva até o fim.

Cardiopata, Gérard voltou ao futebol inglês, pelos portões do Villa Park, sob desconfiança: ele seria emocionalmente forte para suportar momentos agudos ou tomar certas decisões? Houllier sabia que, mesmo mal em outros aspectos, Ireland poderia resolver o jogo com sua capacidade técnica e que seria essencial para cobrir a ausência de Petrov, uma vez que a meia central ficou travada com Sidwell e Reo-Coker. Mas também sabe que vale a pena demonstrar autoridade agora. É melhor do que apostar a qualquer custo numa vitória no dérbi e perder as rédeas de seu mais habilidoso e preguiçoso meia. Ireland, sabemos, não tem cabeça. Houllier pode oferecer esse atributo a ele. Logo o francês, que, especialmente em virtude da cardiopatia, era tachado de fraco do ponto de vista disciplinar.

Roberto Mancini, ao contrário, precisa retomar o controle do grupo do Manchester City. Há quem diga que não existe mais clima para o italiano. Mas é preciso paciência: há duas rodadas, seu trabalho não era contestado externamente. O que precisamos questionar é a excessiva dependência de Tévez. A derrota para o Arsenal veio com um Carlitos ilhado após a expulsão de Boyata. Foi apenas a consumação de uma realidade já transformada em natural: o argentino corre por mais de um jogador e cria a maioria das próprias chances de gol. O problema foi escancarado na absurda derrota para o Wolverhampton, no Molineux, quando Tévez estava fora de combate. A dependência do City em relação ao Apache, aparentemente superior às de Boca, Corinthians e West Ham, soa contraditória para um elenco repleto de opções ofensivas, mas sem tanta gente para abraçar grandes responsabilidades.

O Newcastle, por sua vez, consegue se sustentar ofensivamente. Com dois atacantes fortes - Carroll e Ameobi -, os Magpies golearam sumariamente o Sunderland (que teve o desastroso Titus Bramble, ex-Newcastle, expulso no segundo tempo) no Tyne-Wear derby. O hat-trick do capitão Kevin Nolan foi o destaque dos fantásticos 5 a 1. Não se esperava que a facilidade encontrada no Championship seria reproduzida, mesmo esporadicamente, na Premier League. Pois bem. Ainda que muito irregular, o conjunto de Chris Hughton mostra que velocidade, profundidade e capacidade de finalização, características marcantes desse time, são importantes em qualquer instância. É evidente que a possibilidade de grandes resultados do Newcastle contra equipes do primeiro escalão esbarra numa mera questão de qualidade. Entretanto, ao contrário do que muitos supunham, o veloz time de Hughton é capaz de vencer - e bem - disputas como a do domingo, de inestimável relevância emocional para os torcedores.

Emoções à prova. Os adeptos do Liverpool têm experimentado a sensação mais frequentemente do que gostariam. A segunda vitória consecutiva na Premier League não foi suficiente para atribuir aos triunfos um caráter natural, rotineiro. Pela primeira vez, Hodgson venceu longe de Anfield. Motivação suficiente para uma verdadeira festa no site oficial do clube, que tratou o 1 a 0 sobre o Bolton, que afastou o clube da zona de rebaixamento, como um título. É notório o exagero, ainda que, de fato, os Reds tenham melhorado substancialmente após o dérbi de Merseyside, o primeiro confronto sob os olhares de John Henry, novo proprietário do clube. Entretanto, um aspecto precisa ser considerado: Maxi Rodríguez.

Três titulares do Liverpool pareciam ser os pontos falhos do time: Lucas, Maxi e Konchesky. O brasileiro tem evoluído. Contra Blackurn e Bolton, jogos aceitáveis, mais próximos de seu desempenho na seleção de Mano que de suas apáticas exibições prévias, sob o comando de Benítez ou de Hodgson. Mas o destaque, mesmo, é o argentino. Substituto de Kuyt, Rodríguez parece, aos poucos, retomar o curso do futebol que impressionava no Espanyol, no Atlético, ou mesmo na seleção, especialmente na Copa do Mundo de 2006. Melhor fisicamente, Maxi, autor do gol da vitória no Reebok Stadium, é novamente dinâmico, produtivo. Embora ainda cometa falhas em situações importantes, a movimentação, a contribuição defensiva e a ameaça à retaguarda adversária não podem ser desprezadas. Aqui, o preconceito é deste blogueiro. Preconceito superado pela admissão da melhor forma de Rodríguez.

Contudo, Konchesky segue muito mal. Os problemas com Lee, do Bolton, não foram os únicos que ele não conseguiu solucionar. As ideias preconcebidas de Hodgson, positivas em relação a seu lateral-esquerdo no Fulham e duvidosas sobre Carlos Salcido, custam caro ao Liverpool. Salcido, que fez ótima Copa e era importante peça para o PSV, deixou de ser contratado pelos Reds, que preferiram Konchesky. O Fulham, sagaz, aproveitou para capturar o mexicano, que, por sinal, está na seleção da rodada de Garth Crooks, da BBC. Hoje, está claro que o NESV vai contratar um lateral-esquerdo em janeiro. Fábio Aurélio raramente está saudável, e Konchesky é, por ora, um desastre. Decisão infeliz, a de Hodgson, que até poderia ter segurado Insúa.

Outro ponto importante do esboço de recuperação do Liverpool é a defesa, que minimizou a incidência de gols tolos. O mérito é de muita gente, até de Lucas. Mas uma das grandes vítimas de ideias preconcebidas da liga é quem mais tem se notabilizado pela maior segurança. Sim, Sotirios Kyrgiakos. A presença do ex-zagueiro do AEK, contratado na temporada passada, sempre era razão para desespero. Entretanto, sua participação tem sido providencial. Sem Johnson e Agger, Hodgson precisa de Carragher na lateral direita. Soto (em alusão a Sotirios), como é chamado pelos torcedores, é seguro, arruma bem a defesa e, eventualmente, contribui com gols. O grego não está entre os melhores defensores do mundo, mas não merece ser ridicularizado. Aliás, ninguém merece (ideias preconcebidas).

Imagens: Telegraph, site do Fulham

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