4 de abril de 2010

O sonho de Benítez

A aparente obsessão de Benítez pela Liga Europa prejudica o Liverpool

Adoramos criticar o futebol brasileiro. Não por aversão ao patriotismo, mas especialmente porque nossa desorganização provoca a distorção de conceitos. No ano passado, Santos e Botafogo foram eliminados da Copa do Brasil por CSA e Americano, respectivamente. Os tradicionais clubes estavam envolvidos em fases decisivas de seus campeonatos estaduais, de modo que Vágner Mancini e Ney Franco não deram a atenção recomendável à competição que realmente importava. Além do desempenho vexatório na copa nacional, os alvinegros não puderam vencer Corinthians e Flamengo nos torneios provincianos.

Hoje, porém, Rafael Benítez cometeu um erro à brasileira. O treinador do Liverpool parece ter decidido o que de fato pretende no fim da temporada. No sexto posto da Premier League, os Reds agonizam por uma vaga na próxima Champions. A seis rodadas do término do campeonato, a equipe estava em clara desvantagem em relação a Manchester City e Tottenham. Contudo, considerando a espinhosa sequência de mancunianos e londrinos, Benítez tinha o direito de acreditar na conquista da quarta posição. Para tanto, seria necessário um aproveitamento quase total dos últimos 18 pontos em disputa. De maneira inacreditável, o espanhol pôs em xeque hoje os três primeiros pontos em questão, os que poderiam ser ganhos diante do Birmingham.

Benítez decidiu poupar Mascherano, seu jogador mais consistente na temporada, e Agger. Até aqui, as escolhas parecem aceitáveis, uma vez que não conhecemos exatamente o nível físico dos atletas após a desgastante partida da última quinta-feira, contra o Benfica, pela Liga Europa. Mas o pior estava por vir. Antes da metade do segundo tempo, Rafa agiu de modo a disseminar perplexidade pelo St. Andrews e pelos cantos onde houvesse alguém acompanhando o jogo. Quando Fernando Torres cedeu seu posto a N'Gog, os torcedores viram ruir o sonho de vencer o difícil jogo, cujo placar marcava 1 a 1 (resultado final) àquela altura. Torres saiu visivelmente irritado e surpreso. O capitão Gerrard olhava para o banco como quem queria dizer: "meu treinador enlouqueceu".

Até o fim da peleja, N'Gog perdeu, de modo patético, três oportunidades claras. Apesar de o campo das hipóteses no futebol ser um tanto inócuo, não é exagero afirmar que, com Torres, o Liverpool teria vencido o Birmingham. No frigir dos ovos, Benítez trocou dois pontos, sua primeira vitória contra os Blues e o primeiro triunfo no St. Andrews de um dos seis primeiros colocados por alguns minutos de descanso de seu único atacante decente. Tudo por conta da Liga Europa. Seria deveras interessante para o Liverpool vencer o torneio continental, mas o que realmente importa é a vaga na Champions. A Fulham, Standard Liège, Benfica, alemães e espanhóis, a conquista pode ser prioridade. Ao Liverpool, movido a objetivos mais ambiciosos, não.

A atitude de Benítez soa imediatista, de alguém que parece buscar a autoafirmação através de um título que representaria pouco para o clube. E, sim, o espanhol justificou a alteração de maneira óbvia. "Torres estava exausto. N'Gog foi bom para nós porque forneceu um par descansado de pernas". Não é meramente clichê garantir que um Torres em condições apenas razoáveis é muito mais eficaz do que um N'Gog em plena forma. Agora, a chance de o Liverpool chegar à Liga dos Campeões é ínfima. É possível, inclusive, que a equipe termine na oitava posição - e, portanto, fora de qualquer competição europeia -, visto que Aston Villa e Everton estão no encalço. Benítez parece fazer força para deixar Anfield do mesmo modo que abandonou o Mestalla, ainda que, desta vez, sob olhares insatisfeitos: vencendo a Liga Europa (ou a competição equivalente).

Foto: Getty Images

2 comentários:

O autor disse...

É claro que Benítez errou - e feio -, mas vamos, também, defender o Birmingham, que tem um elenco fechadíssimo, escasso de talentos, e vem fazendo uma campanha fantástica, encarando de igual para igual, por exemplo, o top four inglês.

Por isso, não sei se caso todos os jogadores titulares estivessem em campo, o Liverpool teria, sim, ganho do Birmingham. Talvez sim, pela técnica. Talvez, não. No futebol, não existe "se". É futebol.

Passa lá no meu blog: http://diarioesportivogolaco.blogspot.com

ABS

Daniel Leite disse...

Sem dúvida, Lucas, o Birmingham merece elogios pela forma como tem atuado no St. Andrews. Afinal, não perdeu para nenhum dos seis primeiros colocados meramente através de uma aplicação defensiva à moda Grécia de Rehhagel. Roger Johnson está, certamente, entre os três melhores zagueiros na Premier League.

A intenção do post, porém, não é discutir os desempenhos das equipes, mas a postura de Benítez diante da iminente possibilidade de vitória. Quando digo que não seria exagero afirmar que, com Torres, o Liverpool venceria, obviamente o faço fundamentado no bom senso, considerando a eficácia do espanhol em prováveis três oportunidades de gol. É claro que há certa margem de erro. Mas respeito sua opinião.

Abraço.